Unidade e luta dos vigilantes <br>para combater a exploração

Gustavo Carneiro

No sector da segu­rança pri­vada, ac­tu­al­mente com perto de 40 mil tra­ba­lha­dores em todo o País, as con­di­ções la­bo­rais de­gradam-se à me­dida que se in­ten­si­fica a con­cen­tração em­pre­sa­rial e a des­re­gu­lação da le­gis­lação la­boral. O PCP está em­pe­nhado no re­forço da sua or­ga­ni­zação e in­ter­venção no sector para que os tra­ba­lha­dores con­quistem di­reitos e me­lhorem as suas con­di­ções de vida.

O in­cum­pri­mento dos di­reitos e da lei é ge­ne­ra­li­zado no sector

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Foi para co­nhecer com pro­fun­di­dade a si­tu­ação pro­fis­si­onal destes tra­ba­lha­dores e as ten­dên­cias da sua evo­lução, e para saber mais sobre as po­si­ções e pers­pec­tivas do Par­tido para o sector, que o Avante! con­versou com os mem­bros da Co­or­de­na­dora Na­ci­onal do PCP para a segu­rança pri­vada. Este or­ga­nismo co­or­dena a ac­ti­vi­dade das or­ga­ni­za­ções dos co­mu­nistas que tra­ba­lham como vi­gi­lantes e se­gu­ranças em vá­rias em­presas e re­giões.

Como só se trans­forma uma re­a­li­dade que se co­nhece, a con­versa co­meçou pre­ci­sa­mente com um re­trato pro­fundo e pre­ciso da si­tu­ação ac­tual do sector e das con­di­ções de tra­balho e de vida dos seus tra­ba­lha­dores: em termos nu­mé­ricos, o uni­verso dos tra­ba­lha­dores deste sector ronda os 40 mil, a mai­oria dos quais (69 por cento) con­cen­trados numa de­zena de em­presas. Destas, um nú­cleo ainda mais res­trito re­pre­senta a fatia de leão dos tra­ba­lha­dores e do vo­lume de ne­gó­cios: Pro­segur, Se­cu­ritas, 2045, Esegur e Charon/​SOV, po­dendo ainda in­cluir-se neste grupo do­mi­nante a Strong e o Grupo 8.

Ou­tras, como por exemplo a Pres­tibel, es­tando ainda longe das mai­ores, tem vindo a crescer ra­pi­da­mente nos úl­timos anos, muito pela pre­sença em lo­cais como as grandes su­per­fí­cies, au­tar­quias e ser­viços do Es­tado. Mas a re­a­li­dade é mais vasta, como se pode cons­tatar es­tu­dando o «Re­la­tório Anual de Se­gu­rança Pri­vada», de 2015. Nesse ano, en­con­travam-se re­gis­tadas 92 en­ti­dades pres­ta­doras de ser­viços na área da vi­gi­lância e mais 36 na ver­tente de «au­to­pro­tecção», na grande mai­oria pe­quenas em­presas. A si­tu­ação em 2017 não será muito di­fe­rente.

Longe de tra­çarem um re­trato es­tá­tico à re­a­li­dade, os co­mu­nistas que tra­ba­lham e in­tervêm no sector apon­taram as li­nhas ge­rais do seu de­sen­vol­vi­mento re­cente, ob­ser­vando desde logo o acen­tuado cres­ci­mento ve­ri­fi­cado nas úl­timas dé­cadas. Be­ne­fi­ci­ando de al­te­ra­ções le­gis­la­tivas feitas à me­dida dos seus in­te­resses, os grandes grupos do sector cres­ceram en­quanto as em­presas pri­vadas e ser­viços da ad­mi­nis­tração pú­blica cen­tral e local foram subs­ti­tuindo tra­ba­lha­dores dos seus pró­prios qua­dros por vi­gi­lantes con­tra­tados a en­ti­dades es­pe­ci­a­li­zadas.

Cons­tante des­va­lo­ri­zação

No que res­peita à si­tu­ação la­boral dos tra­ba­lha­dores da se­gu­rança pri­vada, tra­çado pelos co­mu­nistas da Co­or­de­na­dora Na­ci­onal, so­bressai um pa­no­rama pouco ani­mador: os sa­lá­rios e di­reitos dos seus tra­ba­lha­dores, que nunca foram par­ti­cu­lar­mente va­lo­ri­zados, têm-se vindo a de­gradar nos úl­timos anos, em re­lação di­recta com o pro­cesso de con­cen­tração em­pre­sa­rial, a cha­mada «li­be­ra­li­zação» da le­gis­lação la­boral e a com­pla­cência do Es­tado para com as cons­tantes vi­o­la­ções da le­ga­li­dade por parte do pa­tro­nato.

O de­sem­prego tem vindo a au­mentar no sector nos úl­timos anos à me­dida que avança a con­cen­tração de em­presas em poucos grandes grupos. Os baixos sa­lá­rios e o con­ge­la­mento con­se­cu­tivo do seu valor é outro dos prin­ci­pais pro­blemas com que os vi­gi­lantes se con­frontam no seu dia-a-dia, re­la­taram os co­mu­nistas, que o ligam di­rec­ta­mente ao facto de o Con­trato Co­lec­tivo de Tra­balho do sector não ter qual­quer ac­tu­a­li­zação desde 2011. O sa­lário destes tra­ba­lha­dores e esta pro­fissão estão a ser des­va­lo­ri­zados, su­bli­nhou um dos di­ri­gentes co­mu­nistas pre­sentes na en­tre­vista.

Foi também re­al­çada a pre­ca­ri­e­dade em que tra­balha grande parte dos vi­gi­lantes em Por­tugal, quer no que diz res­peito aos vín­culos quer às con­di­ções de tra­balho. Esta ideia foi re­for­çada su­bli­nhando-se que «mesmo os tra­ba­lha­dores com vín­culos per­ma­nentes se en­con­tram em cons­tante in­se­gu­rança». Du­rante anos, lem­bram os di­ri­gentes e qua­dros co­mu­nistas, existiu no con­trato co­lec­tivo do sector uma cláu­sula re­la­tiva à «trans­missão do posto de tra­balho», que sal­va­guar­dava a per­ma­nência do tra­ba­lhador num de­ter­mi­nado local in­de­pen­den­te­mente da subs­ti­tuição da em­presa de vi­gi­lância con­tra­tada, que era obri­gada a in­te­grar aquele vi­gi­lante nos seus qua­dros. Como ou­tras, esta im­por­tante cláu­sula de­sa­pa­receu do CCT do sector da se­gu­rança pri­vada em 2014.

Esta questão, su­bli­nham os co­mu­nistas, re­mete para uma outra, pre­sente em toda a con­versa: a cons­ta­tação de que para além do fre­quente des­res­peito pa­tronal pelas ga­ran­tias e pro­ce­di­mentos con­sa­grados na con­tra­tação co­lec­tiva, é também um facto que esta so­freu golpes pro­fundos nos úl­timos anos, ga­ran­tindo hoje muito menos di­reitos aos tra­ba­lha­dores. Apesar desta re­a­li­dade, acusa a Co­or­de­na­dora Na­ci­onal do PCP, o pa­tro­nato do sector não está sa­tis­feito e pro­cura impor a ca­du­ci­dade do con­trato co­lec­tivo para forçar uma ainda maior de­gra­dação das con­di­ções de tra­balho.

As exi­gên­cias co­lo­cadas para a for­mação e cre­di­tação dos vi­gi­lantes, cujos custos são muitas vezes as­su­midos pelos pró­prios, assim como os do far­da­mento; a en­trega tardia das es­calas de turnos pelas em­presas; a des­re­gu­lação de ho­rá­rios e o não pa­ga­mento de horas ex­tra­or­di­ná­rias con­forme com a lei; e a au­sência, na maior parte dos lo­cais de tra­balho, de bal­neá­rios e re­fei­tó­rios são ou­tros dos pro­blemas mais sen­tidos por parte dos tra­ba­lha­dores do sector.

Por re­solver per­ma­necem ainda ques­tões re­la­ci­o­nadas com as ca­te­go­rias pro­fis­si­o­nais e res­pec­tivos ven­ci­mentos. Para os co­mu­nistas, é in­com­pre­en­sível que os vi­gi­lantes que prestam ser­viço nos portos ma­rí­timos não sejam equi­pa­rados aos que o fazem nos ae­ro­portos, sendo que a ta­refa é em tudo se­me­lhante.

O pro­blema da dupla tu­tela

A dupla tu­tela sobre o seu tra­balho é outra das ques­tões mais sen­tidas pelos pro­fis­si­o­nais da se­gu­rança pri­vada, que ao mesmo tempo res­pondem à em­presa com a qual têm con­trato e aos res­pon­sá­veis pela en­ti­dade – pú­blica ou pri­vada – na qual prestam di­a­ri­a­mente ser­viço. Em grande parte dos casos, esta si­tu­ação leva a que o vi­gi­lante seja, como afirmou um dos qua­dros co­mu­nistas que in­te­gram a Co­or­de­na­dora Na­ci­onal, «pau para toda a obra»: ma­queiro ou fun­ci­o­nário ad­mi­nis­tra­tivo, se tra­balha num hos­pital ou centro de saúde; re­po­sitor, se presta ser­viço num su­per­mer­cado; re­cep­ci­o­nista e te­le­fo­nista, se es­tiver numa qual­quer em­presa ou ser­viço pú­blico; des­car­re­gador e con­tro­lador de carga, se for o caso de estar numa fá­brica ou ar­mazém.

Esta prá­tica ge­ne­ra­li­zada não tem apenas im­pli­ca­ções na vida pro­fis­si­onal dos vi­gi­lantes, que, lembre-se, têm ta­refas de­fi­nidas por lei e para as quais é exi­gida for­mação e re­que­rida cre­den­ci­ação ofi­cial. Em muitos casos, ela acaba por servir para que as em­presas e ser­viços onde tra­ba­lham abram mão de muitos ou­tros tra­ba­lha­dores, pas­sando in­de­vi­da­mente ta­refas para os vi­gi­lantes. Mais grave ainda, re­alçam os co­mu­nistas, é que muitas vezes esta si­tu­ação de­corre do con­luio entre as em­presas de se­gu­rança e as en­ti­dades que as con­tratam e a ajuda, por acção ou omissão, do pró­prio Es­tado. A forma dúbia como a lei está re­di­gida também con­tribui para a dis­se­mi­nação destas prá­ticas, acres­centam os co­mu­nistas.

A dupla tu­tela tem ainda ou­tras im­pli­ca­ções para os vi­gi­lantes, com con­sequên­cias ne­ga­tivas nos seus sa­lá­rios e na afir­mação dos seus di­reitos. Em di­versas si­tu­a­ções em que os vi­gi­lantes se re­cu­saram a obe­decer a or­dens dos res­pon­sá­veis pelas em­presas e ser­viços onde se en­con­tram a tra­ba­lhar, que não são se­quer os seus pa­trões, foram alvo de queixas e des­lo­cados para outro local de tra­balho – em al­guns casos, bas­tante dis­tante da sua re­si­dência.
 

Mais Par­tido é mais luta

A de­ter­mi­nação dos co­mu­nistas em in­tervir de forma mais in­ci­siva no sector da se­gu­rança pri­vada não é de hoje. Há muito que em vá­rias zonas do País o PCP conta com mi­li­tantes or­ga­ni­zados em vá­rias em­presas deste sector e di­rige a sua in­ter­venção junto dos tra­ba­lha­dores, cen­trando-a nos prin­ci­pais pro­blemas que os afectam nos lo­cais de tra­balho. A dis­tri­buição de co­mu­ni­cados e bo­le­tins con­tendo as suas po­si­ções e pro­postas para o sector e apon­tando o ca­minho da re­sis­tência, da uni­dade e da luta dos tra­ba­lha­dores para de­fender e con­quistar di­reitos é uma linha de acção que se tem re­ve­lado par­ti­cu­lar­mente fru­tuosa.

Em re­sul­tado desta in­ter­venção – e apesar das di­fi­cul­dades co­lo­cadas, por exemplo, pela enorme dis­persão de lo­cais de tra­balho – a voz dos co­mu­nistas é cada vez mais ou­vida e res­pei­tada junto dos tra­ba­lha­dores do sector, que têm vindo a fi­liar-se no Par­tido. Esta maior afir­mação do PCP e das suas pro­postas levou a um au­mento da ca­pa­ci­dade rei­vin­di­ca­tiva dos tra­ba­lha­dores, que de­mons­tram hoje uma «maior dis­po­ni­bi­li­dade para a luta nos lo­cais de tra­balho». In­de­pen­den­te­mente do muito que se perdeu, lembra um dos mi­li­tantes que tra­ba­lham no sector, esta luta já per­mitiu «de­fender muitos di­reitos».

Este ba­lanço foi re­la­tado ao Avante! pelos mem­bros Co­or­de­na­dora Na­ci­onal do PCP para o sector da se­gu­rança pri­vada, que re­la­ciona igual­mente os avanços al­can­çados com a pró­pria re­gu­la­ri­dade do seu fun­ci­o­na­mento. Da úl­tima reu­nião so­bres­saiu a con­vicção de que a re­a­li­dade de um sector mar­cado por uma cres­cente pre­ca­ri­e­dade, com con­di­ções de tra­balho cada vez mais des­re­gu­ladas e pelo au­mento do de­sem­prego, impõe que sejam dados novos e mais de­ci­sivos passos no re­forço da or­ga­ni­zação e in­ter­venção do Par­tido. A in­ten­si­fi­cação da luta e o re­forço da or­ga­ni­zação são as duas prin­ci­pais pri­o­ri­dades da acção dos co­mu­nistas, pro­fun­da­mente in­ter­li­gadas entre si.

As cé­lulas do Par­tido no sector de­fendem o res­peito pelos di­reitos con­sa­grados na con­tra­tação co­lec­tiva e a re­cu­pe­ração de ou­tros, en­tre­tanto re­ti­rados, e a va­lo­ri­zação sa­la­rial, com ven­ci­mentos-base de 700 euros para a ca­te­goria de «Vi­gi­lante»; 811,15 euros para «Vi­gi­lante ae­ro­por­tuário» (que de­veria in­te­grar também os vi­gi­lantes por­tuá­rios); e 1015 euros para a ac­ti­vi­dade de «Trans­porte de Va­lores» (TVA).